
Para responder a esta questão, poderia servir-me do esquema básico da teologia sistemática. Mas prefiro começar logo pelos dados da minha argumentação, saltando qualquer fundamentação bíblica e patrística que possam estar, e estão, na sua base.
A Igreja é um corpo que necessariamente está unido à sua Cabeça. O Corpo, constituído pelos vários membros (os batizados) úne-se à sua Cabeça (Cristo) formando o «Cristo total». Para expressar de uma forma mais perfeita o que significa esta união, muitos teólogos (Semmelroth, Balthasar, Ranher...) adotaram a imagem do matrimónio como aquela que melhor expressaria a união da Igreja a Cristo. Deste modo, também nesta relação a que aludimos, existe a polaridade da feminilidade e da masculinidade. E assim acontece:
- Aspeto masculino: Cristo [Palavra e Semente]
- Aspeto feminino: Igreja [Resposta e Fruto]
Tal como os esposos ao unirem-se em matrimónio formam um só corpo, assim a Igreja, unida ao seu esposo, constitui uma única realidade: o Cristo total! Ora, a unidade entre esposo e esposa, no matrimónio, torna-se perfeita e visível aos outros mediante a sua fecundidade vivida no amor. Sinal perfeito desta fecundidade é geração dos filhos, com tudo o que isso implica: geração, gravidez, parto, educação...até chegar à autonomia do filho, e seja este a fecundar. Todos estes momentos são vividos na intimidade da vida do casal. No entanto, torna-se visível, ao mundo, o fruto de cada um dos momentos. Por exemplo:
- Na fecundação de um filho: o homem doa a semente, a mulher acolhe-a e fá-la frutificar, e todo o mundo contempla o filho.
- Na educação: homem e mulher lançam as sementes de valores e princípios, a criança acolhe e, com a ajuda dos pais assimila-os em si. Depois, todo o fruto dessa educação é contemplada por todos, pelas ações concretas do filho. Mas não se vê a educação em si mesma, mas somente os frutos dessa educação.
Poderíamos dar outros exemplos. Mas estes são suficientes para nos mostrar que o que conseguimos ver são os frutos, em si mesmo. Não participamos da intimidade vivida entre o casal nem nas sementes lançadas nos vários estádios pelos quais a criança participa.
Ora, na Igreja acontece o mesmo. Cristo e Igreja constituem uma única realidade chamada a ser fecunda. O espaço íntimo de fecundidade é a Liturgia. Cristo, na Litúrgica, lança as sementes para os novos filhos:
- Fecundação: Batismo / Confirmação
- Alimentação: Eucaristia
- Educação e Zelo: Reconciliação / Santa Unção
- Autonomia chamada a ser fecunda: Matrimónio / Ordem
O que o mundo verá é tudo aquilo que resulta da relação esponsal entre Cristo e a Igreja; o resto, permanece (ou deveria permanecer) como mistério. Daqui deriva que todos, conhecendo os frutos desta relação, sejam chamados, também eles, a nascer de novo e tomar parte no Corpo místico de Cristo.
Deste modo, a nível pastoral, urge o dever de perceber que a Liturgia não deve ser preparada, estruturada e pensada em prol da conversão daqueles que, não sendo cristãos, porventura possam nela participar. A Liturgia é a celebração dos convertidos (embora sempre em conversão). Isto percebemos, de uma forma mais clara, a partir da Eucaristia. Falando antropologicamente, ninguém poderá alimentar-se se antes não foi concebido. Assim, ninguém poderá aproximar-se da mesa eucarística, se antes não nasceu pelo batismo.
Vejamos esta imagem mais clara na Sagrada Escritura. A Cristo não faltaram oportunidades para celebrar a Eucaristia para multidões. Poderia tê-lo feito na rua, nas praças, no meio de todos aqueles que o queriam ver morto, e fazer, por isso, com que todos se convertessem. Mas não! Preferiu celebrar a Eucaristia numa intimidade vivida entre Si e a sua Igreja, aqueles que já caminhavam consigo. E desta celebração seguiu-se a entrega na Cruz, essa sim, contemplada aos olhos de todos.
A nossa vivência cristã deverá passar por aqui. Como cristãos, não poderemos reservar à liturgia o espaço onde se concretize o mandato missionário de ir por todo mundo e anunciar. O anúncio acontece nas nossas vidas concretas, no mundo, na relação que estabelecemos uns com os outros. Já a Liturgia, aparece como espaço de intimidade com o nosso Senhor, para que, a cada dia, aqueles que já renasceram pelas águas batismais, possam constantemente reforçar o seu compromisso de seguimento.
Assim seja.
[Não esqueçamos, no entanto, que em qualquer ocasião, as nossas Igrejas continuam a ter as portas abertas. Muitas vezes, poderemos ser visitados por outras pessoas. Para elas, devemos ter a consciência que a Liturgia será o "1º anúncio"... Daí que devamos abandonar uma "vida de Sexta-Feira Santa" para adoptar uma "vida de Domingo de Páscoa", e refletir isto nas nossas celebrações]
[Não esqueçamos, no entanto, que em qualquer ocasião, as nossas Igrejas continuam a ter as portas abertas. Muitas vezes, poderemos ser visitados por outras pessoas. Para elas, devemos ter a consciência que a Liturgia será o "1º anúncio"... Daí que devamos abandonar uma "vida de Sexta-Feira Santa" para adoptar uma "vida de Domingo de Páscoa", e refletir isto nas nossas celebrações]
Uma belissima catequese
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